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O seu trabalho é bom o bastante para o mercado de quadrinhos?

Quando um artista está pronto para trabalhar no mercado de quadrinhos?

O mercado de quadrinhos no Brasil (e no mundo) pode ser bastante desafiador. Há um certo consenso de que fazer quadrinhos é difícil, que é demorado, que é concorrido, que não dá dinheiro e muitas outras besteiras.

É muito comum que o artista (principalmente o iniciante) que decidiu seguir o Caminho dos Quadrinhos se sinta inseguro sobre a qualidade do seu trabalho. “Será que o meu trabalho está bom para o mercado?” é um questionamento muito comum.

Na história dos quadrinhos temos grandes mestres, com nível elevadíssimo, que sempre nos despertam o assombro pela qualidade de seus trabalhos, seja pelo desenho, pelo desenho, pela narrativa ou uma combinação dessas características.

Temos esses grandes mestres como uma referência constante para o nosso trabalho, e muitas vezes terminamos nos frustrando quando comparamos o nosso trabalho ao deles. Sentimos que nosso desenho não tem a mesma desenvoltura, a mesma segurança.

Sentimos que não sabemos combinar os quadros, escolher as cenas ou mesmo criar personagens que sejam interessantes, e ainda, não conseguimos imaginar uma histórias originais, surpreendentes, que prendam o leitor.

Esse nível elevado de referência é uma das causas da insegurança dos artistas iniciantes. Como me comparar a um Frank Miller? A um Alex Ross? A um Bruce Timm? Fica difícil se sentir seguro em um mercado onde você vai disputar espaço com esses e muitos outros monstros dos quadrinhos.

Nesse vídeo eu faço uma reflexão sobre essa pergunta e conto rapidamente o meu encontro com Will Eisner.

A minha insegurança sobre trabalhar com quadrinhos

Eu sempre fui muito crítico, muito exigente comigo mesmo. Isso tem um lado bom, pois me fez me esforçar ao máximo para subir o nível da minha arte.

Por outro lado, isso foi ruim, pois essa cobrança excessiva por qualidade me deixava tímido de mostrar o meu trabalho. Eu não queria expor algo que eu sabia que tinha defeitos. Não que eu tivesse medo de rejeição, mas eu não queria me tornar conhecido como um artista medíocre.

Essa hesitação fez com que eu demorasse demais para lançar o meu trabalho no mercado. Eu ficava escondendo o meu trabalho, treinando para o belo dia em que ele estivesse bom o suficiente para o mercado.

Mas… Como eu ia saber exatamente se o meu trabalho já estava bom o bastante para o mercado? Mesmo vendo muitas HQs mal desenhadas por aí, eu ainda não me sentia seguro o bastante.

Foi nessa época, quando uns 23 anos de idade, que Will Eisner veio para Recife para o Festival Internacional de Quadrinhos. O encontro que tive com ele iria marcar a minha vida.

Meu encontro com Will Eisner

Iria demorar mais de 10 anos para que eu finalmente ficasse satisfeito com minhas HQs. Mas naquela noite de sexta-feira eu ainda era um jovem artista, estudante universitário de artes, que procurava se encaixar no mundo dos quadrinhos.

Eu estava ansioso, porque iria para o evento onde Will Eisner estaria recebendo as pessoas para dar autógrafos e, quem sabe, dar uma olhada em portfólios.

Separei minhas melhores artes em uma pasta preta, me arrumei e fui pegar o ônibus pensando qual seria a reação de um grande mestre internacional diante do meu trabalho.

Claro que me sentia meio inseguro, intimidado. Eu nunca fui um garoto prodígio na arte… O meu trabalho na época ainda era de um nível bem iniciante. Por isso eu me preparei psicologicamente para receber algumas duras críticas.

Will Eisner foi o homenageado no Festival Internacional de Quadrinhos aqui em Recife, Pernambuco.

Quando cheguei no local do evento, por incrível que pareça, havia pouca gente por lá e menos ainda para falar com o Will Eisner. Não havia fila, e ele ficava só a maioria do tempo, em uma mesa isolada no meio de algumas prateleiras de quadrinhos.

Depois de alguns momentos de hesitação, fui até a mesa dele, me apresentei e fui convidado a sentar.

Apesar de ser meio tarde e ele parecer cansado, Will Eisner ainda estava de bom humor. A seu lado, havia uma moça que fazia o trabalho de tradução.

Ele autografou as publicações que eu levei, inclusive o livro “Quadrinhos e Arte Sequencial”, uma das obras mais importantes sobre narrativa de quadrinhos.

Fiz alguns elogios e perguntei se ele podia olhar a minha pasta. Ele se mostrou muito receptivo e interessado. Até hoje eu fico emocionado sobre como ele foi atencioso comigo, um brasileiro qualquer, completamente estranho.

Will Eisner é um grande mestre dos quadrinhos. Suas HQs marcaram a história com uma narrativa experimental. Também é famoso por suas obras sobre a arte de fazer quadrinhos.

Ele pareceu gostar das minhas ilustrações e páginas de quadrinhos. Fez alguns apontamentos técnicos (principalmente sobre narrativa), como conexão e sequência dos quadros.

Pedi permissão para fazer uma pergunta… A tradutora passava tudo para ele, que respondia em inglês. Eu até entendia e tentava uma conexão direta com ele, sem precisar da tradutora. Ele respondeu que sim, eu poderia lhe fazer qualquer pergunta.

Então finalmente perguntei: “Will Eisner, de acordo com o nível do meu trabalho, como está agora, quanto tempo você acha que vai demorar para eu entrar no mercado?”

Ele riu, olhando para cima, como se eu estivesse falando a maior basteira do mundo, e respondeu: “You should have been working in the market for a long time!”

Traduzindo: “Você já deveria estar trabalhando no mercado há muito tempo!”

Fiquei chocado na hora e muito feliz com aquele reconhecimento do grande mestre Will, Eisner. Na hora eu percebi que as minhas inseguranças eram ilusões.

Todas as crenças negativas, enfraquecedoras, em relação ao meu trabalho, simplesmente não precisavam existir.

Voltei para casa exultante naquela noite, e pensei mais sobre o assunto, chegando a algumas conclusões muito importantes.

O que eu aprendi com Will Eisner

O meu encontro com Will Eisner foi rápido, mas foi o suficiente para mudar radicalmente a minha visão e trajetória artística.

Naquela noite, quando voltei para casa, depois de jantar e colocar para dormir o meu filho Giovanni (que na época tinha apenas 2 anos de idade), parei alguns instantes para digerir o meu encontro com Will Eisner.

O mais interessante de ouvir uma grande verdade é que você já sabia dela, já tinha a sensação que ela existia. Você só não tinha convicção o bastante, pois aquela verdade ainda não havia sido afirmada com força suficiente.

“Você já deveria estar trabalhando no mercado há muito tempo!” Disse o mestre…

No fundo, eu já sabia disso. Eu já havia percebido que havia muitos artistas medíocres no mercado, ganhando dinheiro. Eu sabia que o meu trabalho era bom o bastante, mas uma série de inseguranças, de crenças limitantes, enfraquecedoras, minava a minha confiança e me mantinha atrasado, preso em um confortável anonimato.

Essas crenças enfraquecedoras, como “ eu não digno”, “eu não sei vender meu peixe” e outras baboseiras, ficavam zumbindo na minha mente e me atrapalhavam a vida artística.

Mas quando Will Eisner verbalizou o óbvio, foi uma quebra de padrão, um choque que me tirou do círculo vicioso de auto-satisfação e auto-depreciação, que eu tinha em relação a meu trabalho.

Percebi que o que me impedia de conseguir oportunidades, o que eu precisava para entrar no mercado, não era um trabalho de nível extraordinário, mas a simples atitude de buscar essas oportunidades.

O que eu precisava fazer era simplesmente procurar as editoras, agências, estúdios… O que eu precisava era simplesmente correr atrás. O que parecia ser um lago profundo na verdade era apenas uma poça d’água e eu podia andar tranquilamente sobre ela.

Então eu tomei uma decisão...

Naquela mesma noite eu tomei uma decisão: Daquele momento em diante, eu iria tomar coragem e mostrar o meu trabalho. Iria buscar as oportunidades e aproveitá-las ao máximo.

O meu trabalho não tinha ficado melhor, mas eu mesmo, como artista e como homem, havia me tornado melhor.

Eu tinha consciência das limitações da minha arte mas eu estava disposto a dar a cara a tapa. Estava disposto a sofrer rejeição. Estava disposto a ser desacreditado. Eu estava disposto passar por tudo isso porque eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu iria conquistar o meu lugar.

Invariavelmente, a minha arte ia evoluir. eu iria aprender todas as técnicas que precisasse, iria aprender todos os estilos que precisasse. Iria dominar todos materiais, todas as tecnologias que precisasse.

Mas eu sabia, e muito mais, eu tinha agora a fé inabalável que eu já estava pronto para começar. Que o meu arsenal artístico, mesmo modesto, era mais do que o suficiente para entrar na guerra e conquistar as minhas primeiras vitórias.

A verdade nua e crua

A verdade nua e crua é que a qualidade do seu trabalho não faz muita diferença.

Os artistas que se destacam no mercado de quadrinhos tem qualidades que vão muito além de desenho, narrativa e roteiro…

Claro que a qualidade da sua arte é importante, mas o quadrinho mais lindo do mundo não vale nada enquanto estiver escondido em uma gaveta.

Não espere chegar o momento certo. Não espere chegar em um nível muito alto. Não espere até que você esteja satisfeito com o seu trabalho.

A verdade nua e crua é que o momento certo só vai acontecer quando você for atrás dele. O momento certo é uma resposta do universo ao seu movimento. O momento certo é a reação da vida à sua ação de buscar oportunidades.

A verdade nua e crua é que a sua arte nunca vai estar perfeita

A sua arte nunca vai estar completa. Não importa qual o nível do seu trabalho. Em relação ao ideal universal da perfeição, seu trabalho sempre será tão bom (ou tão ruim) quanto o de um Picasso ou DaVinci.

A verdade nua e crua é que não importa o nível do seu trabalho. O que vai fazer a diferença no seu sucesso como artista, como quadrinista, é a sua ATITUDE.

Comece com o que você tem. Respire fundo, concentre a sua vontade. Tenha consciência que a sua arte é o que você tem agora e isso vai ter que bastar para você entrar na guerra. Agora, dê um passo à frente e crie o seu momento perfeito.

Saiba, guerreiro, que você não está sozinho. Pode contar com outros que vieram antes de você e podem te ajudar com mapas e estratégias. Estou à disposição para trocar ideias. Se eu puder te ajudar pelo menos uma fração do que Will Eisner me ajudou, eu vou ficar muito feliz.

E no fim, a maior lição que eu aprendi com ele foi que precisamos estender a mão com generosidade a todos aqueles que vem nos pedir auxílio.

Um grande abraço e te desejo toda a sorte do mundo.

Pedro Ponzo

Sobre o Autor

Pedro Ponzo
Pedro Ponzo

Sempre fui apaixonado por histórias em quadrinhos, por todas as possibilidades desta linguagem artística. Depois de atuar profissionalmente em vários mercados de ilustração e quadrinhos, hoje me dedico à minha arte autoral. Sou o criador de Método Arte dos Quadrinhos, que ajuda as pessoas a criar e publicar as suas próprias HQs.

3 Comentários

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  1. Excelente partilha sobre sua experiência com o mestre Eisner, Ponzo! Adorei saber que além de um grande artista, era também um cara tão generoso!

  2. Eu tô pensando agora em retornar a ativa no mundo dos quadrinhos criando um mangá , me identifiquei com você porquê eu já desacreditei bastante da qualidade do meu trabalho também, pensei que fosse só , uma fase passageira esse negócio de quadrinho, mas toda vez que eu vejo iniciativas de pessoas que não têm um nível tão alto de desenho mas mesmo assim se arriscam, isso me dá uma ponta de esperança nessa possibilidade de eu pegar esse sonho de infância de novo, e seguir adiante. Eu já di várias voltas em questões sobre carreiras , pode acreditar, tava ficando cansado dessa pressão que eu tenho comigo mesmo pra arrumar um emprego, pois aqui no meu lugar é bastante difícil, mas to disposto a tentar mais uma vez . Eu acredito que eu consigo!

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